Três Dimensões | 30-04-2024 07:00

“O maior desafio das misericórdias é a sustentabilidade devido ao subfinanciamento”

“O maior desafio das misericórdias é a sustentabilidade devido ao subfinanciamento”
TRÊS DIMENSÕES
Nuno Castelão tem 60 anos e é provedor na Misericórdia da Chamusca desde 2017

Nuno Castelão é empresário e provedor na Santa Casa da Misericórdia da Chamusca, uma instituição de peso num concelho onde a densidade populacional e a indústria estão em quebra.

Define-se como um homem de consensos que não tolera traições e que valoriza a honestidade. Diz que tem de haver vontade e força política para resolver o problema da ponte da Chamusca e que para se ter um estado social forte e sem dependências sociais o Estado tem de apoiar mais as empresas.

Nasci em Lisboa e com ano e meio mudei-me para a Chamusca, de onde os meus pais são naturais. Era uma vila diferente, com muita vida e dinâmica industrial composta por empresas que foram desaparecendo. As pessoas vão fugindo para onde vão tendo respostas às suas ambições e a Chamusca acabou por ficar depenada em termos de população e actividade económica. No meu tempo não faltavam crianças. Cresci num grupo de miúdos que se envolviam em actividades físicas, culturais; vivíamos de forma diferente, inventávamos brincadeiras. Perdeu-se esse sentido de criatividade, os jovens de hoje são muito agarrados às tecnologias.
A ponte da Chamusca é um problema que tem de se resolver, mas tem de haver vontade e força política para impor essa necessidade. E nós, na Chamusca, temos muito pouca força porque não representamos nada em termos de votação. Também é por isso que as províncias vão ficando despejadas. Da Chamusca tirava a pobreza que acompanha gerações da mesma família e colocaria mais indústria, embora tenha noção que empresas grandes que queriam para cá vir não têm mão-de-obra porque os jovens se foram embora. É pena a Chamusca não aproveitar o território que tem para criar uma economia pujante. Nunca pensei meter-me na política autárquica. A minha política foi e é estar na acção social. Entrei para a Misericórdia da Chamusca em 1991 e até 1999 tive o pelouro da Praça de Toiros. Depois saí e voltei, em 2017, com este grande desafio de ser provedor.
Tenho-me dedicado ao trabalho e ainda não me pus um travão, mas importa termos noção de quando perdemos qualidades e capacidades para assumir cargos e responsabilidades. Em instituições como a Misericórdia lutamos para ajudar e ver as pessoas felizes. Essa é a maior recompensa e, nessa perspectiva, para quem ocupa cargos como este, recebe-se mais do que se dá. Estou provedor voluntariamente. Se é assim que deve funcionar? Para mim é, mas é natural que no futuro as coisas se invertam.
O maior desafio das misericórdias é a sustentabilidade devido ao subfinanciamento por parte do Estado. Existem IPSS com muitas dificuldades e a terem de encerrar valências, vender património para garantirem essa sustentabilidade e poderem manter os serviços. A Segurança Social sabe das dificuldades, mas este é um sector em que o Estado percebe que vai gastar dinheiro e não vai ter retorno e isso em termos orçamentais e de votos tem a sua dificuldade. Deveríamos ser ressarcidos conforme a nossa prestação de serviços, o que não está a acontecer. O Estado avaliou cada cama da ERPI com um valor médio de 1.400 euros/mês para um utente e, no entanto, pelos utentes encaminhados para camas da Segurança Social recebemos 1.096 euros, o que deixa um rasto de prejuízo.
A velhice não me assusta, mas tenho receio que me aconteça algo que me diminua as capacidades e passe a ter de depender de alguém. Tenho uma boa relação com os utentes e embora não consiga visitá-los todos os dias faço-o uma vez por semana. Procuro usar o equilíbrio e o bom senso. Gosto de lutar por entendimentos na vida e usá-la para criar amizades...o que neste lugar nem sempre é possível. Quando conseguimos agradar a 10 pessoas foi porque dissemos a 30 que não.
O que mais valorizo no outro é a lealdade. Não perdoo a traição de pessoas que na frente se mostram uma coisa e nas costas são outra. Incomoda-me reconhecer quando erro, mas falhar também faz parte da vida. E esta vida está construída para ser de poucos amigos. Tenho poucos mas bons amigos com os quais nem sempre lido diariamente, às vezes só anualmente. A Quinta-feira da Ascensão é um momento de reunião, onde reencontramos os que estão mais longe numa festa que é tão pura e chamusquense.
A pessoa que mais admiro é o meu pai, Tarquínio Castelão. Aos 88 anos continua com uma lucidez fantástica e, ao longo da vida, tem-me passado valores como a honestidade e humanismo nas relações com as pessoas, no trato, na disciplina. Ter passado pelos Forcados da Chamusca, onde estive 10 anos, deu-me uma visão diferente da vida e o espírito de cultivar a amizade. Naquela altura o grupo servia também para recuperar jovens que estavam numa situação complicada em termos sociais. No futuro será uma tradição que terá algumas dificuldades em sobreviver.
Nós, empresários, não sentimos o apoio que deveríamos ter em relação às empresas, que são as grandes responsáveis pela riqueza neste país. Estamos a gastar o PRR no Estado em coisas que são necessárias mas que não trazem muito à rentabilidade. Deveria haver mais equilíbrio no apoio efectivo às empresas. Para termos um estado social mais forte temos de apoiar as empresas e estamos a fazer o percurso ao contrário: a abandonar as empresas e a criar um papel de dependência social. Estou há 25 anos n’A Persistente – artes gráficas, a empresa fundada pelo meu avô em 1929. Na vida falta-me fazer projectos para a empresa, finalizar projectos em curso e em aprovação na Misericórdia e, depois, procurar viver bem a vida que tem sido muito dedicada ao trabalho.

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