Há pais que confundem cedências e bens materiais com tempo de qualidade em família

Margarida Cardoso é educadora de infância, professora de teatro e integra, há 17 anos, a direcção do Agrupamento de Escolas Verde Horizonte, em Mação.
Cresceu com liberdade para brincar e valores que a fizeram perceber que para se ter é preciso conquistar. Tem na mãe o grande pilar da sua vida e na perda do marido uma dor que não desaparece por mais anos que passem. Diz que os pais têm pouco tempo para estar com os filhos e acredita que o que somos hoje reflecte o passado que transportamos. Defende mais respeito para com os professores, classe que, lamenta, tem vindo a perder voz na sociedade.
Sempre gostei de trabalhar com a comunidade. Penso que só assim se pode construir o futuro, partindo do conhecimento das nossas raízes. Sou educadora de infância desde 1986. Tirei o curso em Coimbra e comecei logo a exercer, em Sardoal. Em 1988 fui para o concelho de Mação, onde estou até hoje. Passei por várias escolas do concelho e de todas guardo boas memórias, dos alunos, dos pais e das suas gentes. Tirei uma licenciatura na Escola Superior de Educação de Portalegre e desde 2009 que estou como adjunta na direcção do Agrupamento de Escolas de Mação, onde também lecciono a disciplina de teatro.
Nasci em Mação aos oito meses de gestação e cresci numa família numerosa. Somos quatro irmãos e sou a única rapariga. Nunca senti qualquer privilégio. Lá em casa éramos todos tratados de forma igual. Era frequente ver o meu pai a cozinhar e os meus irmãos a ajudarem nas lides da casa. Acho que foi sem dúvida uma mais-valia e hoje posso dizer que tanto sei fazer uma peça de costura como uma instalação eléctrica. A política na minha casa não era pôr-nos de castigo mas sim fazerem-nos reconhecer que errámos. Talvez por isso não me recorde de maus momentos nessa época. Desde muito nova que fui habituada a conquistar as minhas coisas. Com 15 anos fazia pulseiras que vendia numa papelaria, fazia bolos para os cafés. Fiz voluntariados no Casal Ventoso, em Lisboa, numa associação de cariz social, trabalhei nas oficinas da Câmara de Mação e nas escavações arqueológicas.
Sinto saudades dos tempos de infância em que éramos verdadeiramente livres e podíamos dar asas à nossa imaginação. São muitas as memórias que tenho: os serões em família onde jogávamos xadrez e às damas, os piqueniques, os passeios, as brincadeiras livres nas ruas de Mação onde todos se conheciam, as férias na aldeia com os primos. Gosto de ver a evolução das crianças numa idade em que tudo é novidade e em que estão sedentas de conhecimento do mundo. É possível trabalhar a imaginação e a criatividade através da arte.
Devido à vida agitada e super ocupada dos pais, considero que têm pouco tempo para estar com os filhos em família. São muitos os compromissos que têm de cumprir e acabam por confundir cedências e bens materiais com tempo de qualidade em família. É fácil dar ao filho um jogo, uma PlayStation, um telémovel, mas será que ele mais tarde vai ter isso como uma memória de infância? Não, isso são apenas satisfações imediatas que se perdem. As gargalhadas em família, os bons momentos, as recordações que nunca esqueceremos, onde estão? Aquilo que somos hoje reflecte o passado que transportamos connosco. Os ecrãs vieram para ficar, mas penso que é possível equilibrar. Depois de um dia de trabalho é mais fácil a criança estar entretida no ecrã do que a fazer um jogo, mas os pais têm de tentar criar boas memórias e laços afectivos e esses são criados em conjunto. Só assim podem criar adultos responsáveis e empáticos.
Antes um professor era alguém a quem se tinha respeito e a sua palavra tinha um certo peso na sociedade. Hoje acho que estamos a cair no oposto. Cada vez existem mais casos de professores agredidos e insultados. Esta classe, a que prepara as mulheres e homens do futuro, merece mais respeito. Se queremos cativar os jovens a enveredar por esta profissão temos de lhes dar garantias de possibilidade de evolução na carreira e de bem-estar físico e psicológico.
Sinto-me privilegiada por viver em Mação. Gosto da terra, das pessoas e de toda a sua envolvência. Foi onde cresci e é onde vou envelhecer. Estamos no centro do país, temos uma escola de qualidade, baixo índice de criminalidade, boas águas, boas praias fluviais, paisagens e miradouros. Somos um interior cheio de valor e potencial. O grande pilar da minha vida é a minha mãe, que foi sempre a minha confidente e melhor amiga. Mesmo nos momentos de maior dificuldade sempre nos fez acreditar que o importante é sorrir, mesmo que por dentro estejamos a fervilhar de preocupações e dúvidas. Ser mãe foi o momento mais feliz da minha vida. Tentei sempre proteger a minha filha, mas prepará-la para o mundo, ensiná-la a lidar com as frustrações, a criar empatia, a ser leal e justa.
A primeira pergunta que fiz depois da morte do meu marido foi: e agora? Fiquei amargurada, deprimida, fechada no meu mundo e pensava vezes sem conta como ia ser com a minha filha e a empresa. A verdade é que ficar a pensar muito não resolve nada. Pode ter terminado uma etapa, mas muitas estão por vir e eu precisava e preciso das minhas faculdades físicas e mentais para as enfrentar por mim e pela minha filha. Foi a isso que me agarrei. A dor da perda nunca se ultrapassa, aprendemos a conviver com ela. Ainda hoje ouço uma porta a abrir exactamente como ele a abria, os passos dele no corredor e dou por mim a fazer uma determinada tarefa ou rotina da maneira que ele gostava com a preocupação de o fazer feliz. Mas a vida é isto, recordações, saudades e hábitos que ficam para sempre.
Considero-me uma pessoa justa e que lida mal com a mentira. Um dos meus maiores receios é magoar o outro. Gosto de fazer os outros felizes. Sou casmurra e impulsiva, ainda estou a aprender a dominar-me. Se conseguir levantar-me com um sorriso e terminar o dia com o mesmo sorriso, é porque o dia foi perfeito, quer tenha sido na escola, nas férias ou em qualquer parte do mundo. Ler é o meu passatempo de eleição, quer seja no Inverno à lareira ou à beira-mar. Acho que nunca fui de férias sem um livro ou dois na mala. Durante a infância sempre li na cama à noite e a leitura era sempre acompanhada de um copo de leite e bolachas, especialmente ao fim-de-semana porque era uma leitura autorizada pelos pais. Durante a semana a vontade de ler era tanta que lia debaixo dos lençóis com uma lanterna. Adoro é viajar, conhecer diferentes realidades, novos povos e culturas.
Como diria Fernando Pessoa, “tenho em mim todos os sonhos do mundo” e eles nunca acabam, felizmente. Há sempre novos sonhos e outros que deixam de se tornar tão importantes. Ainda tenho muitas viagens por fazer, muitos livros por ler, muitos espectáculos para assistir, e como não poderia deixar de ser muitos netos, assim espero, por ver crescer. Se há algo que a vida me ensinou é: “Pedras no caminho? Guardo-as todas, um dia vou construir um castelo”!.